Quatro estações - Parte 2
Uma coleção “hipnótica”, segundo o The New York Times, com quatro histórias ligadas pela mudança das estações, cada uma narrando a jornada de diferentes personagens, sob diferentes momentos da vida.
Publicado originalmente em 1983, Quatro estações revela outra faceta do mestre do suspense. São quatro histórias bem diferentes do universo habitual de Stephen King, em que o autor constrói narrativas baseadas no dia a dia dos personagens e mostra sua habilidade em criar demônios sob uma nova perspectiva: eles aparecem de modo subliminar, povoando a natureza humana.
Em Primavera eterna, o escritor toma a injusta condenação de um homem à prisão perpétua como ponto de partida para falar sobre o desejo de liberdade. A adaptação para as telas do cinema – com atuações de Tim Robbins e Morgan Freeman – fez grande sucesso sob o título Um sonho de liberdade.
Já na trama Outono da inocência, o autor dá novos contornos à passagem da juventude para a maturidade, contando a história de um grupo de adolescentes confrontados com a morte ao se verem diante de um cadáver. A história se transformou no clássico filme Conta comigo.
OBS - O debate desta obra foi divido em duas reuniões:
Parte 1 (Livro 27)
- "Primavera Eterna: Rita Hayworth e a Redenção de Shawshank"
- "Verão da Corrupção: Aluno Inteligente"
Parte 2 (Livro 28)
- "Outono da Inocência: O Corpo"
- "Inverno no Clube: Método Respiratório"
Comentários
APPIO
12/07/2018 - 18:16
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O Corpo - Stephen King
Mais um conto (seria um conto?) em que o autor dá uma demonstração de como conduzir uma narrativa para manter a atenção do leitor e fazê-lo entrar na estória. A estória em si é pequena – o próprio título já revela. Mas como ela vai sendo contada é que mostra a maestria.
Personagens são descritos e definidos de tal maneira que se tornam reais. E em reais são transformados os locais e eventos, tal a quantidade de detalhes que reproduzem uma localidade e uma época. E o leitor, que pela sua idade foi contemporâneo da época dos fatos, encontra-se com coisas do seu próprio passado – os modismos, os astros, os programas. Essa técnica não é novidade – outras obras revelam-na.
Entretanto, surpreende pelo ineditismo do recurso utilizado – como umameta-linguagem: parte do conto – e da narrativa – é a “reprodução” de um “artigo” publicado anteriormente pelo próprio personagem central num jornal da cidade.
É tão real, que dá vontade de ir procurar o jornal e consultar os arquivos para encontrar o tal artigo.
Os conflitos na família são expressos de tal maneira pelos poucos, mas intensos diálogos – que poderiam compor o texto de peça teatral (quase dramaturgia) - permitem compreender as personalidades dos personagens, e o quadro psicológico onde permeiam traumas, recalques, ódios, traumas e se espalha pelo conto uma nuvem de maldade latente. Reminiscências são intercaladas com a narração dos “fatos”, não só explicando causas, mas interrompendo em momentos precisos para gerar suspense. Tensão, relaxamento, tensão, relaxamento se alternam.
Nas pretensões do “personagem quando escritor jovem” parece que o alter-ego do autor se manifesta e aí, o narrador, o personagem e autor se fundem e nos confundem (seria autobiográfica ou uma aprimorada técnica narrativa?). Seu texto fala intimamente com o leitor, mais parecendo uma carta escrita por um amigo, e cujo destinatário é - precisamente - Você, leitor.
Entremeando a narrativa com diálogos, digressões, descrições, flash backs, o vai-e-volta, o suspense e a tensão vão se construindo na revelação dos sentimentos de violência, autodestruição, impulsos suicidas e homicidas. O suspense é mais decorrente pelo que não acontece, do que pelo que acontece. Fatos narrados são desconexos ao enredo, são pontas soltas que se espera venham a ser atadas. São estórias dentro da estória. A sua expectativa em atá-las é que é o suspense.
Coisas triviais – um concurso de devoradores de torta com um grandioso final gastro-refluxório, a travessia de uma ponte ferroviária, um ataque de sanguessugas, transformam-se em ricas narrativas. E dão ao conto (conto?) um tom ora hilário, ora trágico, ou ainda triste e pessimista. Mas, sobretudo, com técnica precisa, alternando tensão e descontração, mantém o leitor preso não a uma ficção, mas a uma “realidade” da qual ele parece fazer parte.
quatro primeiros
APPIO
13/07/2018 - 18:05
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Inverno no Clube - O método respiratório - Stephen King
O quarto conto (conto?) do livro “Quatro estações” é mais uma reminiscência contada em detalhes tais, suficientes para compor um quadro tão realista dos locais, personagens, datas e eventos, que é difícil não acreditar que tudo não seja real.
Um homem comum, como sempre, se vê envolvido sem querer (querendo) num men´s club nova-iorquino, aparentemente comum, mas com algo misterioso: cada membro deveria contar uma estória, dentro de certo ritual. E um mote se repete: “o importante é a história e não o narrador”. Será?
O suspense se manifesta em pensamentos do protagonista, como quando chega à porta do clube “cujas janelas lembravam olhos” e: “Em algum lugar, por trás dessas janelas, pode haver um homem ou uma mulher planejando um assassinato, pensei. Senti um arrepio na espinha. Planejando... ou cometendo um assassinato.” Ou quando ele lê livros cujo autor não existe, publicados por uma Editora que nunca existiu, joga numa mesa de bilhar fabricada por uma fábrica que jamais foi fundada, e ouve uma musica tocada numa vitrola cuja marca jamais foi fabricada (até hoje!). Mas tudo não passa de moldura para a estória que será contada por um médico ancião: “O método respiratório” não é de tirar o fôlego, mas tem suspense e até uma boa dose de humanidade. Embora no final, há algo inumano.
Li que Alfred Hitchcock teria explicado a François Truffaut, seu discípulo, “que o suspense não é mistério nem pregar sustos. O suspense consiste em fornecer certas chaves ao espectador e suprimir outras, de forma a deixá-lo num permanente estado de angústia ou desconforto pelo que poderá ocorrer porque tudo isso está relacionado a crimes.” (*). Essa frase, para mim, caracteriza bem o suspense de Stephen King.
Podem rir: mas procurei o endereço 249B da Rua 35 Leste em New York. E poderão rir mais ainda ao se surpreenderem colocando o endereço “249b, 35th street east, New York, NY” no seu Google Maps. Curiosos!
Verão um prédio de três andares, com a fachada do térreo toda em tijolinho, ao lado do restaurante Ginza Sushi. E acima da fachada, um Brasão de Armas medieval, com um dístico “Missioni Permanenti GMML”. Mistério.
Continuei a pesquisar e descobri: é a apenas sede da Missão Permanente para as Nações Unidades, de Malta. Sim, Malta, aquela ilha que é sede da Ordem Soberana e Militar Hospitalaria de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta, criada em 1113 (quando os anteriores Templários foram todos perseguidos e executados), os “Cavaleiros Hospitalários”, sempre envoltos em... mistérios.
Coincidência? Premonição?
(*) Luiz Carlos Merten – artigo “Exposição Hitchcock - Bastidores do suspense”
quatro primeiros