A tirania do amor
Através da crise pessoal e profissional de um economista, Cristovão Tezza constrói um panorama atualíssimo do Brasil em tempos de Lava Jato.
Sozinho no carro, o economista Otavio Espinhosa toma uma decisão radical: abdicar do sexo. O que parece piada se revela uma profunda crise pessoal: um casamento falido, problemas com o filho, o fim de sua carreira acadêmica e a experiência de ter tentado enriquecer como guru de autoajuda. Também a carreira de Otavio parece estar em perigo: tudo indica que ele será demitido da empresa de investimentos onde trabalha. O leitor vai aos poucos destrinchando a investigação de um esquema no qual Otavio pode ou não estar envolvido, desenhando o panorama de um país em ruína. É a matemática – esta “arte sem afetação” – que impulsiona as digressões de A tirania do amor. Otávio, porém, logo perceberá que nem a racionalidade serve para domar a vida, nem ele mesmo é tão racional quanto gostaria de acreditar.
Trecho:
Diante do sinal vermelho, que contemplou abstraído como alguém sob uma curta hipnose, decidiu (e ao mesmo tempo imaginou as perguntas: Como assim? Você enlouqueceu?) abdicar de sua vida sexual. A ideia bateu opaca, sem ênfase, quase já um fato consumado à frente, como o brilho fixo do semáforo de pedestres, bonequinho imóvel: abdicar. No cansaço — não exatamente cansaço, esta coisa menor, localizável, passageira, ele pensou; é diferente agora, uma espécie de completo esgotamento — e mais o limbo da manhã, nesta névoa mental em que o dia pode se transformar em qualquer coisa, acrescido de uma vastíssima informação privilegiada (e ele imaginou o processo que se seguiria, a imagem de sua mulher fundindo-se com a de um executivo sênior com uma pilha de pastas à frente, a decisão foi tomada com base em uma informação privilegiada a que nenhum dos outros acionistas teve acesso — o que o senhor tem a dizer a respeito? A sua prova é escancaradamente ilegal).
Comentários
Durval Tabach
13/06/2018 - 12:15
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Boa temática para o momento
Acredito que o outro Tezza que lemos no CLS recebeu avaliação apenas mediana pela temática pesada tratada com excesso de sinceridade.
Em ano eleitoral e fatos político-policiais em barafunda, acho que este é um bom momento para lermos sobre o Brasil contemporâneo, escrito por autor reconhecido. Leva meu 'thumbs up'!
Se o livro que lemos não nos desperta como um murro no crânio, para que lê-lo? (Franz Kafka)
Durval Tabach
27/08/2018 - 09:39
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Turbilhão mental
Primeiro, uma pequena porém necessária retificação da sinopse acima: Espinhosa não está de carro, mas a pé.
A diferença não é irrelevante, porque o livro inteiro são turbilhões de pensamentos e memórias, que ocorrem principalmente enquanto o protagonista caminha, a passos contados, os curtos trajetos de um único dia difícil: “Preciso andar, ele disse. Andar me acalma”.
Como é típico dos turbilhões de pensamento, a narrativa é truncada, recorrendo com frequência aos parênteses e travessões para introduzir os constantes saltos no tempo cronológico e psicológico da trama.
Esta falta de linearidade, que pode exigir do leitor alguma atenção adicional até que se pegue o ritmo da leitura, não compromete a qualidade da obra. Pelo contrário, é sua característica mais distinta: o grande ‘barato’ do livro é, justamente, acompanhar a tentativa de Espinhosa de colocar as ideias no lugar durante um dia de completa mudança de rumos, até “uma exaustão feliz”, a que ele chega menos por sua extraordinária capacidade de calcular do que pelo que está além do seu controle.
A “boa temática para o momento”, do meu comentário pré-leitura acima, não se confirmou, porque os temas político-policiais contemporâneos têm um papel apenas secundário. Mas isto não desmerece a história, que, na minha opinião, funciona bem para um leitor despretensioso em busca de um texto bem construído.
Se o livro que lemos não nos desperta como um murro no crânio, para que lê-lo? (Franz Kafka)
Fkadi
28/08/2018 - 10:04
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Durval talvez ele tenha
Durval talvez ele tenha ficado inebriado por tanta fumaça...
APPIO
03/09/2018 - 19:05
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Jorro de palavras
Em poucas páginas tive a seguinte sensação: sentei-me numa Berger, numa sala aconchegante, peguei o bloco de anotações e o lápis, e me dirigi ao senhor que estava confortavelmente deitado no divã, ao meu lado, e lhe disse em tom de pergunta:
-“E então?”.
E ele me despejou um jorro de palavras. Ainda bem que o gravador estava ligado, pois o bloquinho e o lápis seriam totalmente inúteis. Mas a sensação foi essa. Seu estilo narrativo é complexo. Difícil de acostumar. Saramago, sem pontuação, tinha linearidade. Neste caso, há pontuação. Mas nenhuma linearidade. É um turbilhão de pensamentos, sentimentos, locais, situações, díspares. Não encontrei um correspondente de “verborragia” para pensamento (Cogitorragia?).
Dá prazer a contemporaneidade da obra. Estamos vivendo o seu tempo - ou melhor, um dos tempos da narrativa, já que a digressão dentro da digressão é permanente.
O autor se revela (?) nas convicções político –econômico - liberais o seu choque com o sócio-comunista-esquerdismo do filho. E nas suas frustrações, desencontros e desajustes, como intelectual, como pai, como filho, como marido, como profissional.
Como intelectual por não ter continuado a carreira acadêmica e lhe sobrado o TOC matemático. Como pai, por ter um filho adolescente totalmente doutrinado pelo pensamento retro-revolucionário típico produto da ideologização escolar – só faltando a promoção ao homossexualismo e em permanente estado de agressão. Como marido, por ter sido comunicado por um e-mail “acidental” de que fora traído (pior, estava sendo traído) e convidado a se descartar. “A Tirania do Amor” ou “As Elucubrações de um Traído”? Como filho, por não ter não ter ido ao enterro e não ter atendido ao pedido de socorro do Pai - com todos os atributos e mau caráter (mas ainda assim, pai). Mau caráter, mas com frases espirituosas e cínicas (quando não verdadeiras): “mulheres devem ser abatidas com carinho”;” nunca faça (a uma mulher que você está interessado) referência à mulher que você tem em casa”;” nunca compare mulheres, nem de brincadeira, não seja desastrado...”; “cada mulher tem um cheiro diferente... e todos são bons.”;” quando uma mulher ri e ilumina o mundo é meio caminho andado”. Por fim, por não ter tido uma mãe, mas várias mães...
Mas, sem dúvida, o autor revela no seu personagem, uma mente brilhante e experiências e cultura solidas (a referencia ao escandaloso “origem do mundo” de Gustave Courbet, as palestras de Hayek e sua Demarquia - que coincidentemente também tive o prazer de assistir); as reflexões sociais, políticas, econômicas e psicológicas bem embasadas - embora lançadas nesse estilo caótico. Os vários “tempos” da narrativa (passado longínquo, passado recente, ontem, o agora,) e a distribuição espacial dos acontecimentos (Harvard, seu AP, escritório, rua, edifício, bar, etc., etc. etc.) revelam um engenharia cuidadosa para reunir fragmentos, apesar de criados por uma mente bipolar, depressiva, ansiosa, em permanente estado de tensão.
Será que a nenhum de nós, em algum momento, já não tivemos alguns desses pensamentos ou sensações? Será que nunca nos deparamos com nenhum dos tipos do romance, nem com situações semelhantes? Será que nunca tivemos delírios da memória, recriando uma realidade falsa?
-“Acho que por hoje basta“.
-“ 21,21320343559643 !”
-“O que ? ? ?”
-“É a raiz quadrada do valor da sua consulta: R$ 450,00.”
quatro primeiros
Clara Haddad
17/09/2018 - 17:22
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A TIRANIA DO AMOR
Instigada pela nossa discussão, continuei a busca por mais elementos que complementassem e enriquecessem os temas que discutimos em nosso encontro, e acabei encontrando uma entrevista muito interessante! Segue o link:
https://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2018/04/27/cristovao-tezza-o-m...