O Gigante Enterrado
Em seu primeiro romance em dez anos, o ganhador do prêmio Nobel de Literatura de 2017 e autor do best-seller Os Vestígios do dia envereda pelo universo da fantasia para abordar temas universais como o amor, a guerra e a memória.
Uma terra marcada por guerras recentes e amaldiçoada por uma misteriosa névoa do esquecimento. Uma população desnorteada diante de ameaças múltiplas. Um casal que parte numa jornada em busca do filho e no caminho terá seu amor posto à prova - será nosso sentimento forte o bastante quando já não há reminiscências da história que nos une?
Épico arturiano, o primeiro romance de Kazuo Ishiguro em uma década envereda pela fantasia e se aproxima do universo de George R. R. Martin e Tolkien, comprovando a capacidade do autor de se reinventar a cada obra.
Entre a aventura fantástica e o lirismo, O gigante enterrado fala de alguns dos temas mais caros à humanidade: o amor, a guerra e a memória.
“Ishiguro é um dos maiores romancistas vivos da Inglaterra.” - The Telegraph
“A obra mais estranha, arriscada e ambiciosa que o autor publicou em sua carreira de 33 anos.” - The New York Times
“Ishiguro trabalha seu material fantástico com as ferramentas de um mestre do realismo.” - Time Magazine
Comentários
Clara Haddad
16/02/2018 - 15:58
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O Gigante enterrado
Até a metade do livro, “O Gigante Enterrado”, julguei que fosse apenas mais uma história fantástica da época medieval com ogros, dragões e cavaleiros do Rei Arthur, e confesso, nem estava gostando tanto da leitura, que parecia não fluir. A partir da segunda metade, mergulhei na história e me tornei uma leitora-viajante, me deliciando com os diálogos e as metáforas, vivenciando a mesma busca dos personagens, afinal, viver não é uma viagem e uma eterna busca de nós mesmos? Recordar é viver? Fiquei superenvolvida e presa na narrativa, encantada com a maneira como o autor criou seus personagens dentro de um cenário fantástico para falar do papel da memória e das lembranças na formação de nossa identidade.
Assim como em “Para não se perder no Bairro”, o livro traz uma reflexão sobre a relação entre a memória e o esquecimento. Fala não apenas das memórias que nos definem, mas sobre quais tipos de lembranças selecionamos para nos definir e contar a nossa história. Podemos apagar o passado e viver só o presente? Qual o impacto deste esquecimento na formação de quem somos e das relações que estabelecemos?
Quanto à névoa de esquecimento provocada pela respiração da dragoa Querig, minha leitura me levou a refletir sobre o tempo agindo sobre as pessoas, apagando lembranças ou enterrando-as em um subconsciente profundo. Quantas lembranças e gigantes enterrados carregamos dentro de nós? Quais lembranças queremos enterrar e quais queremos reviver? A que preço? Será que consciente ou inconscientemente selecionamos nossas memórias? Qual a ação do tempo sobre a memória e o poder do esquecimento sobre nós?
Vivendo em um “Gigante Adormecido”, fiquei pensando também sobre a memória coletiva e sobre outros dragões que habitam os trópicos produzindo uma grande névoa de esquecimento que apaga as memórias, distorce as lembranças e nos impede de confrontar o passado.
São tantas as perguntas que incomodam e inquietam, que também me lembrei de nossas discussões sobre o livro “Metamorfose” e daquela citação de Kafka sobre a leitura de um livro: “Um livro deve ser o machado que quebra o mar gelado em nós. ” Posso dizer que foi assim que eu me senti.
APPIO
11/04/2018 - 14:58
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O Gigante enterrado
Quase 400 paginas. Obra de fôlego.
Retrata um período posterior a dominação Romana em que “tribos” ou “povos” de etnias diferentes lutavam por dominação. Cita Anglos, Saxões e Bretões. E Celtas. Para entender o contexto da obra, como seria esse período que ela retrata?
Os povos saxões, com origem na Europa continental (Alemanha hoje), começaram a invadir a Inglaterra por volta do ano 500, do leste para oeste da ilha, e continuaram as invasões até o século IX, quando dominaram a maioria do território. Os Anglos, como os Saxões, também vieram da região da Alemanha (Anglia), e ocuparam a Inglaterra junto com os Saxões. Eles eram mais próximos da origem e de certa forma se uniram, daí a denominação de Anglo-saxões.
Já os Bretões,aos quais pertenciam os personagens (casal), eram um povo de origem Celta que já estavam na Inglaterra no Sec. IV, (anterior aos Anglo-saxões) e teriam vindos do norte da França (Bretanha) e teriam chegado a ilha com a ocupação romana e foram dominados pelos Anglo-saxões.
A estória do livro refere-se a pagãos e cristãos. Logo, o período é posterior a introdução do cristianismo na Inglaterra. Há referências históricas aos cristãos na ilha desde ano 200 e a presença de bispos em 314. Oficialmente, em 595 o Papa envia monges para a conversão da Ilha ao catolicismo. Até então se expandia um cristianismo denominado de Igreja Celta onde hoje estão os escoceses, irlandeses e galeses. Mas só após o inicio do século VII é que o cristianismo católico começa a se instalar. Portanto, deduz-se que a estória se passa posterior a esse período. Como na estória há mosteiros e monges é provável que os “fatos” ocorram após a chegada destes (Sec VII > VIII).
Isto não é ficção.
Outra referência para tentar datar o período é dada pelo autor quanto são feitos os comentários pelo cavaleiro sobre sua armadura. Ele não a descreve, mas indica que ela era de peças. Mas essa armadura de peças (peças de metal cobrindo cada segmento do corpo e com junções) surge somente por volta do século XII. Bem posterior àquilo que, aparentemente, é o tempo indicado nas descrições das vilas e das guerras entre “tribos”. Naqueles séculos (VII, VIII, IX...) as armaduras eram de cotas (malha) e/ou placas de metal (como escamas de peixe) .
Mas isso não importa. É uma ficção.
A ficção e a historia se misturam. O Rei Artur é uma ficção (criada a partir do XIII), mas suas lendas estão tão presentes na cultura que já se confundem como fato histórico. As guerras entre as etnias nas ilhas, a formação dos diversos “reinos” , os quais se transformaram na Grã-Bretanha, também não são ficção. Mas a imagem que se tem de reis (com castelões de ameias) e cavaleiros (de armaduras luzidias) são construídas com elementos bem posteriores, posterior ao século XI e XII.
A descrição do cotidiano de uma época (pouco importa se século VI ou VIII, pois tudo se mudava muito lentamente) é muito real. As comunidades, as roupas, as habitações, as tarefas, os alimentos, os deslocamentos, são muito coerentes com a realidade histórica.
Assim como reais são os seus medos.
O medo das invasões, o medo dos poderosos, o medo dos bandidos assaltantes e assassinos, o medo das guerras, o medo das doenças, o medo dos inimigos. A Idade Média era a Idade do Medo.
E não menos reais são os medos do irreal, que de tão aterrorizantes se tornavam reais: o medo dos deuses e deusas, dos monstros, das fadas e outros seres fantásticos, (estes pagãos) mas também o medo de Deus, do demônio, do inferno, do pecado(estes Cristãos).
Como a obra tem o aspecto épico e seqüência de acontecimentos a partir de um tema central, essa obra tem uma tradição, e talvez se enquadre nesse“ estilo” literário da “Saga”. Talvez.
A estória do Gigante Enterrado é uma Saga, com os ingredientes que caracterizam as Sagas tradicionais – Sec XIII a XV de origem nórdica que foram um “reviwal” de épocas do passado da baixa idade média,uma descrição realista mas com temas fantásticos, personagens/figuras mitológicas, mistura de realidade e fantasia, conforme consideram os literatos).
Esses conceito de Saga não estariam presentes em obras atuais, que tem esses esses mesmos ingredientes? “Senhor do Anéis” e mesmo “Harry Portter” não estariam na mesma prateleira das sagas ? E o Decameron não teria sido precursor das sagas?
Categorizar é difícil para mim leigo.
Não seria o livro “Musashi” do também Japonês Eiji Yoshikawa, contemporâneo do Kazuo Ishiguro, , uma Saga, só que no ambiente do Japão medieval (e 3 volumes com quase 900 paginas o que lê-los é uma saga em si mesma ), só que não tem dragões nem fadas. Mas é uma sucessão de episódios, sempre empolgantes.
É muito interessante o estilo narrativo do autor, justapondo-se o narrador, as reflexões dos personagens, e os seus diálogos.
Aliás, os diálogos, construídos numa linguagem formal e elegante, em princípio causaram estranheza: como poderiam pessoas tão simples, tão incultas, terem uma linguagem tão formal e sofisticada? Ao final, estaria justificado? Ou não, “minha princesa”!
As descrições – paisagens, vegetação – construções – objetos – embora às vezes longas por repetitivas, são bem precisas, realistas e constroem o cenário em nossa imaginação.
E os sentimentos dos personagens – através de suas falas – ficam bem evidentes.
Porém, o mais inédito d´O Gigante Enterrado foi a construção da “ausência da lembrança”.
Esse fenômeno e as conseqüências desse esquecimento é que nos fez pensar.
Geralmente, todos consideram a memória um bem. Fala-se até dos malefícios de um povo sem memória. Mas será que o esquecimento é sempre um mal? A mesma memória coletiva que alimenta uma identidade não alimentaria também o precoconceito, a vingança, o ódio as guerras?
Até que ponto o esquecimento não é um bem? O perdão não é um esquecimento? Perdoar não é esquecer? E o perdão é um mal?
Essas reflexões, que para mim são o ponto mais importante e de maior contribuição do livro pareceram-me ocupar um espaço menor do que sua importância.
Enfim, “O Gigante Enterrado” é uma realidade recriada como pano de fundo para uma ficção que contem uma mensagem intrigante sobre função da memória.
Seja a memória individual, seja a memória social, a memória exerce um papel fundamental no nosso comportamento e na nossa cultura.
Qual é esse papel?
E outra reflexão: essa obra justifica o maior prêmio literário do mundo?
quatro primeiros
Georges Jazzar
04/05/2018 - 16:29
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história cheia de alegorias
história cheia de alegorias mostrando as relações conturbadas entre 2 povos em guerra constante: gigante enterrado