A confissão da leoa
Um romance singular inspirado por fatos reais: uma aldeia moçambicana é alvo de ataques mortais de leões. O confronto com as feras leva os personagens a um enfrentamento consigo mesmos, com seus fantasmas e culpas. A situação de crise põe a nu as contradições da comunidade, suas relações de poder, bem como a força, por vezes libertadora, por vezes opressiva, de suas tradições e mitos.
Em 2008, quando Mia Couto participava da expedição de uma equipe de estudos ambientais ao norte de Moçambique, começaram a ocorrer na região ataques de leões a pessoas. Essa experiência inspirou o autor a escrever este romance singular.
Em A confissão da leoa, uma aldeia moçambicana é alvo de ataques mortais de leões provenientes da savana. O alarme chega à capital do país e um experimentado caçador, Arcanjo Baleiro, é enviado à região. Chegando lá, porém, ele se vê emaranhado numa teia de relações complexas e enigmáticas, em que os fatos, as lendas e os mitos se misturam.
Uma habitante da aldeia, Mariamar, em permanente desacordo com a família e os vizinhos, tem suas próprias teorias sobre a origem e a natureza dos ataques das feras. A irmã dela, Silência, foi a vítima mais recente.
O livro é narrado alternadamente pelos dois, Arcanjo e Mariamar, sempre em primeira pessoa. Ao longo das páginas, o leitor fica sabendo que eles já tiveram um primeiro encontro muitos anos atrás, quando Mariamar era adolescente e o caçador visitou a aldeia.
O confronto com as feras leva os personagens a um enfrentamento consigo mesmos, com seus fantasmas e culpas. A situação de crise põe a nu as contradições da comunidade, suas relações de poder, bem como a força, por vezes libertadora, por vezes opressiva, de suas tradições e mitos.
Comentários
Clara Haddad
13/10/2017 - 07:49
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A Confissão da Leoa, de Mia
A Confissão da Leoa, de Mia Couto, é uma leitura que mistura fatos com lendas e crenças, que tentam explicar acontecimentos misteriosos e dar sentido ao que parece, muitas vezes, não fazer sentido. É uma narrativa de forte componente simbólico, que reflete muito da cultura africana e sua relação com a natureza.
A história retrata os diversos tipos de leões, os reais, que habitam as florestas, os criados pelo homem, que vivem na violência de suas guerras e na destruição da natureza, e também, aqueles que vivem dentro de nós, enjaulados, presos, adormecidos pela opressão, pela dor, pela violência.
Há momentos em que os leões eram os leões do mato: “Para mim era evidente: os camponeses tinham exterminados os animais pequenos, que constituem os alimentos dos grandes carnívoros. Desesperados estes passaram a atacar as aldeias. ” (p.104)
A devastação da natureza, a quebra da cadeia alimentar e as guerras ‘fabricaram’ leões que atacavam as pessoas. “Durante as batalhas, cadáveres foram deixados no campo, nas estradas. Os leões comeram-nos. Naquele preciso momento, os bichos quebraram o tabu: começaram a olhar as pessoas como presas. ” (p. 110).
Em outros momentos, os personagens se revelam leões-pessoas: “É isso que sou: uma leoa em forma de pessoa.” (Mariamar, p. 235); “Sou eu a vingativa leoa. ” (Mariamar, p. 239); “Eu sou a leoa que resta. ” (Hanifa Assulua, p. 251)
São inúmeras passagens, que se intercalam entre sonhos, fatos, lendas e conversas com os antepassados, narradas pelos personagens Arcanjo e Mariamar de forma anacrônica, que levam o leitor a fazer descobertas sobre a vida dos habitantes de Kulumani do começo ao fim.