O leopardo
Itália, anos 1860, Risorgimento. Os fragmentados estados italianos estavam em um tormentoso processo de unificação, e o estabelecimento de uma nova ordem se mostrava cada vez mais pungente. Ambientado num universo intensamente melancólico e sensual e repleto de elementos de ironia e humor, O Leopardo acompanha a história de Dom Fabrizio Salina e de sua decadente família aristocrática siciliana – cujo brasão carrega inscrito o Leopardo que dá nome ao livro –, ameaçados pelas forças revolucionárias e democráticas durante os embates dessa transição. Nesse intrincado contexto, Salina precisa decidir como encarar as novas mudanças que se impõem tanto em sua vida pública como privada.
Único romance do escritor italiano, O Leopardo foi recusado por duas editoras e só veio a ser publicado um ano depois da morte de Lampedusa, em 1958, quando ganhou atenção da crítica e transformou-se num cultuado best-seller na Itália.
Adaptado para o cinema, em filme homônimo, de 1963, sob a direção de Luchino Visconti.
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APPIO
13/10/2021 - 20:31
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O Leopardo
O Leopardo
De Giuseppe Tomasi di Lampedusa
Para o Clube de Leitura do Sírio
Li O Leopardo no ano passado, antes da escolha do no nosso Clube. Coincidência. Não sei se por estar pessoalmente passando por uma fase difícil ou pelo envolvimento provocado pela excelente narrativa, ou ambos, o fato é que o livro me emocionou - o que raramente acontece.
Dizem que identificar-se com personagens é meio caminho para a emoção na leitura. Provavelmente. E certamente para mim O Leopardo é um grande romance apesar de seus poucos personagens. Procurei adjetivos para qualificá-lo. Denso, profundo, descritivo, histórico, melancólico, narrativo, elegante, biográfico... nenhum deles, mas todos eles, e todos com um advérbio: simultaneamente.
No enredo do livro a própria historia (recente) da Sicilia e a defesa da sua identidade. Mas qual a identidade? Segundo eu sabia, essa ilha teve uma sucessão de dominadores. Procurei saber mais e só por curiosidade: chama-se Sicilia porque há uns três mil anos era ocupada pelos Sicanos e foi sucessivamente ocupada pelos Fenícios, Gregos, Cartagineses, Romanos. Foi bárbara sob os Visigodos e Ostrogodo. Depois Bizantina, Árabe, Normanda, Alemã (do Sacro Império), Francesa (dos Angevinos), Espanhola (dos Aragons), Austríaca (dos Habsburgs), Francesa (dos Bourbon), Francesa (Napoleônica). Por fim Reino e a República da Itália cujo período de transição desses regimes o romance retrata.
Por estranho, nessa miscelânea étnica, cultural e política é fermentado o tradicionalismo a que o personagem principal está arraigado. É a história das pessoas de uma antiga família nobre, no período de transição do regime monárquico para a república. Porém, mais do que a passagem de um regime para outro, são as contradições dos valores existes entre duas eras, dois mundos que se estranham, mas que inevitavelmente se sucedem. Dom Fabrizio, o Príncipe de Salinas, o conservador pater familiae, com sete filhos, vê as suas terras, a sua família – que por centenas de anos fora detentora dos domínios - os seus valores e a si mesmo chegando aos estertores de uma existência tradicional. O herdeiro do “gattopardo” do brasão da família, que nas suas reflexões considerava que sua família houvera sido de leopardos, ou leões, considerava que agora, com a vitória da revolução que prosseguia, seriam substituídos por chacais e hienas embora todos se acreditassem herdeiros de valores positivos,
Tendo por pano de fundo e desenvolvimento dessa revolução que demonstra que a monarquia está em extinção junto com sua nobre aristocracia que parece não mais querer lutar, é contado o cotidiano da tradicional família Corbera, do Príncipe de Salinas, de antiga origem, medieval.
Como todo bom nobre, Dom Fabrizio se dedicava com prazer a coisas como astronomia, matemática, astronomia, e muito pouco ao trabalho (mesmo que de administrar), ou seja, praticava aquilo que por aqui conhecemos como Il dolce non fare niente, mesmo antevendo como a unificação política representaria a desagregação dos costumes e com a república a ascensão e predomínio da classe burguesa, porém, manifesta a esperança (ou convicção) de que “Se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”.
Mas o Príncipe dedica especial carinho e atenção ao sobrinho, Tancredi, simpático, falante, sedutor, sem recursos materiais - já que seu pai dilapidou a fortuna – mas hábil, que procura se engajar nas forças militares que venceriam e, dessa forma, poder manter a sua posição de prestígio. Entendo este personagem como contraponto as crenças conservadoras do príncipe e justificar frase. E a sua rendição se mostra quando concorda com o casamento de Tancredi com a filha de um burguês, porém rico, especulador de terras de nobres falidos, mas não sem ter a consciência de que está unindo sua nobre família a família de um deselegante, tosco de maus costumes, avaro, mas que agora passava a ser a elite.
Entretanto, não permitiu que esse desprezo se transferisse a Angélica a quem admirava e agora esposa de Tancredi. Sabia separar.
Todos os diversos acontecimentos retratados, desde os mais comezinhos hábitos domésticos, as viagens e preparativos, as edificações, os caminhos, os eventos, os comportamentos, as vestes, os mobiliários e objetos são descritos de tal forma que a ficção se mostra como uma realidade absolutamente convincente. Parece mais uma auto-biografia.
E por todo o romance as reflexões do Príncipe nos levam a pensar. Parece que nada é gratuito, tudo é colocado para ter significado além do que é descrito. Por fim (e não por força de expressão) a melancólica consciência da morte e com ela, não só o cabo de uma vida, mas a morte de uma família, de uma historia, de uma era. A finitude de tudo enfim chega.
quatro primeiros