Lincoln no limbo
Nunca antes eu havia lido um romance desse jeito, em permanente estado de eletrização, com os olhos marejados e um nó na garganta do começo ao fim. Lincoln no limbo não dá trégua ao encanto do leitor. Uma preciosidade. (Bernardo Carvalho)
Ganhador do prestigioso Man Booker Prize 2017, Lincoln no limbo é uma narrativa original e emocionante. Em 1862, em meio à Guerra Civil Americana, morre, aos onze anos de idade, Willie Lincoln, filho do lendário presidente Abraham Lincoln. A tragédia leva a um luto desesperado o homem que daria fim à escravidão nos Estados Unidos.
Com a morte do filho ainda na infância, Abraham Lincoln, o presidente mais importante da história da democracia, vê seu mundo desmoronar. Em plena Guerra Civil, Lincoln esquece o país em conflito para lamentar, no limite da loucura, a morte do filho. Noite após noite, dirige-se à capela do cemitério para abraçar o cadáver do jovem Willie.
A partir desse acontecimento histórico, o escritor George Saunders rejeita as convenções literárias realistas e compõe uma narrativa passada no além — no limbo do título, ou melhor, no “bardo” do budismo tibetano, o estágio intermediário entre a morte e o renascimento. Lá, acompanhamos a jornada do jovem Willie, incapaz de aceitar que está morto. Um romance surpreendente, que reinventa o gênero de forma radical.
Alternando registro metafísico e documentos históricos e sem medo de abraçar o experimentalismo, Saunders coloca em movimento questões existenciais, históricas e políticas e cria uma obra absolutamente única no cenário contemporâneo.
Um livro que transforma a literatura tal como a conhecemos, que modifica nossa maneira de ler e de escrever. É uma história de fantasmas recontada com brilhantismo, uma narrativa sobre a fragilidade do ser humano e sobre tudo aquilo que está além deste mundo. (Lila Azam Zanganeh)
Comentários
APPIO
14/10/2018 - 16:25
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comentário sobre Lincoln no Limbo
Um amigo recomendou, não sem me prevenir. Acatei a recomendação e li “Lincoln no limbo”. Nem o mais veemente aviso de prevenção teria sido capaz de amenizar a surpresa ao ler cada capítulo.
Eu tinha de Lincoln a imagem que, creio, todos têm. Mas, há algum tempo, comecei a assistir um filme com título para mim curioso: “Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros”. O título não era nenhuma analogia: titulo expressava literalmente o enredo. E o Lincoln, coitado, foi usado para um fim lamentável, pegar a onda do vampirismo cinematográfico. Com todo o respeito por quem gostou, não sei como o filme termina. Não consegui continuar vendo.
Mas, quanto a este Lincoln, que está no limbo e não entre os descendentes do Conde Drácula, a coisa mudou. E muito.
Pela data, o livro foi feito depois do filme. Mas não tem nada a ver, apesar do sobrenatural.
O autor, que eu desconhecia, conseguiu me tirar de um mundo real, embora histórico, do Lincoln que eu conhecia, para um mundo sobrenatural. Do real, a situação política incontrolável da América, da nação dividida, do líder determinado e inflexível, do drama pessoal da perda de um filho na puberdade.
A partir daí, para mim, tudo inédito. Nunca li nada parecido. Surpresa, espanto, sobressalto, assombro.
Não foi fácil entrar e conseguir seguir a narrativa. Narrativa que oscila entre dois mundos. Um real outro fantástico. E sem aviso prévio é contada por dezenas de personagens, sem ordem cronológica (mas haveria cronologia no além?). Essa técnica narrativa, inédita para mim, trouxe-me a imagem da junção de milhares de pequenos recortes de frases retirados de páginas de jornais e revistas, e coladas uma após outra em folhas de papel. Embora díspares, desconexas, acabam por formar sentido, reproduzir diálogos, descrever locais, comentar circunstâncias, revelar sentimentos, analisar caracteres e personalidades e, por fim, contar uma estória.
Acreditem ou não (e aqui o verbo “acreditar” tem todos os sentidos possíveis), no além, no assombro, no susto, no terror, mas também no extraordinário, no maravilhoso, na esperança. Acreditem ou não na vida eterna (amem), e se for, seria a nossa passagem assim?
Contar uma estória com falas desconexas que ecoam por todo o espaço real ou imaginário é realmente uma demonstração de talento e criatividade do autor.
Conseguiu fazer uma obra com uma colcha de retalhos. Ou melhor, com uma mortalha de retalhos.
Apesar de tão diferente e impactante, recomendo a sua leitura. À noite e no escuro.
quatro primeiros
Durval Tabach
09/11/2018 - 11:44
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Pendências para morrer
Leitor em crise que sou, na incessante e frequentemente mal-sucedida busca do que Kafka sugere aí no rodapé dos meus comentários, li com entusiasmo e esperança a resenha e as primeiras páginas desse Lincoln no limbo.
De fato, a obra é absolutamente original e diferente de tudo que eu já li. Essa característica é a principal virtude da leitura e, talvez, também o que mais a desfavorece. Para manter-se fiel ao estilo, na minha humilde e livre opinião de leitor comum o autor acaba excedendo a quantidade dos pequenos recortes necessários e suficientes para compor a trama, deixando-a um pouco enfadonha e redundante. O livro talvez funcionasse melhor depois de uma sessão de enxugamento que o deixasse com umas 300 páginas.
Mesmo assim, parece que a minha avaliação ainda é melhor do que a dos meus exigentes colegas de clube de leitura, por conta dos belos e tocantes relatos sobre a inconformidade diante da morte, não só de Lincoln em relação à perda do filho, mas também dos personagens que foram atropelados pela morte antes de resolver pendências fundamentais da vida. Seria possível morrer sem deixar pendência?
Se o livro que lemos não nos desperta como um murro no crânio, para que lê-lo? (Franz Kafka)