Memórias Póstumas de Brás Cubas
Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico com saudosa lembrança estas memórias póstumas
Em 1881, Machado de Assis lançou aquele que seria um divisor de águas não só em sua obra, mas na literatura brasileira: Memórias póstumas de Brás Cubas. Ao mesmo tempo em que marca a fase mais madura do autor, o livro é considerado a transição do romantismo para o realismo.
Num primeiro momento, a prosa fragmentária e livre de Memórias póstumas, misturando elegância e abuso, refinamento e humor negro, causou estranheza, inclusive entre a crítica. Com o tempo, no entanto, o defunto autor que dedica sua obra ao verme que primeiro roeu as frias carnes de seu cadáver tornou-se um dos personagens mais populares da nossa literatura. Sua história, uma celebração do nada que foi sua vida, foi transformada em filmes, peças e HQs, e teve incontáveis edições no Brasil e no mundo, conquistando admiradores que vão de Susan Sontag a Woody Allen.
Trecho:
"Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco."
Comentários
APPIO
11/04/2018 - 14:55
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Memorias Postumas de Brás Cubas
Minha ignorância.
Confesso que fugi da Literatura Brasileira quando do “Ginásio” e do “Clássico”.
O contato foi apenas com aqueles textos-resumos, típicos para a decoreba eficiente até o dia das provas. Mas passadas estas, a memória era apagada. E pouco sobrava.
De Machado me sobrou que ele era endeusado pelos professores (Salve, Professora Barbara! - in memória), era hoje afro-descendente (porque naquela época era dito ser mulato e isso não era ofensa), detentor de grande cultura, o seu período fora a segunda metade do século XIX (do II Império à República), introdutor do realismo na literatura brasileira e, sobretudo, tinha sido fundador da Academia Brasileira de Letras. Ah, e também ele que escrevia em vários gêneros – romance, contos, peças de teatro. E principais obras: Dom Casmurro, Quincas Borba e estas Memórias Póstumas que li agora. E porque era o “Bruxo do Cosme Velho” até hoje não sei.
Até que alguma coisa sobrou do decoreba. Aleluia, Alzheimer!
Comentários sobre o livro
Mas lendo agora as Memórias de Brás Cubas reconheço que deveria tê-lo lido há muito. Ou não. Porque hoje certamente sou mais crítico, menos deslumbrado e menos influenciado pelas apologias.
Impressionou-me o tema central, o adultério. Pela época de austeridade moral que se vivia (Vitoriana lá na Matriz, ou Petrolina aqui) eram muitos os tabus sociais. A traição e ainda por cima feminina, então...
Surpreende a forma de ele tratar o adultério de maneira quase natural (realista?), sem as ressalvas para tratar de assunto tão condenável à época. Ainda mais em se tratando da mulher, e mulher de um prócer do Império (o traído era deputado, fora governador e quase Ministro!) que o autor freqüentava segundo li. . Não era assunto para se tratar em público, inda mais em meios públicos (revista) lidos por pudicas senhoras de fino trato.
As reflexões sobre a existência, os valores sociais, os sentimentos e comportamentos não recebem julgamentos de certo/errado. Um tema tido como imoral não recebe do autor julgamento incisivo. Ele não parece ser moralista no sentido de afirmação do certo e do errado. Trata o assunto como realista e não idealista. Ou ainda amoral (amoral no sentido de que não é nem conforme nem contrário à moral).
Apesar de não haver uma censura a comportamentos não aceitáveis, no fundo acho que – apesar da amoralidade que transparece – há resquícios de moralismo: o fim de vida dos “impuros (as)” não seria invejável. Mas isso não deixa de ser um retrato realista da sociedade da época.
Algumas coisas curiosas me prenderam:
O fato de o fim da estória estar contado no primeiro capítulo. E mesmo assim continuar o interesse pela leitura. O que demonstra o domínio pela manutenção do interesse da narrativa.
Personagem de outra obra aparecer nesta e com isso dar mais vida ao personagem (Quincas Borba, teria ele existido?).
E quanto o próprio Brás Cubas ser chamado de “Casmurro”. Proposital? E por quê?
O autor, para mim, se confunde com o personagem. Não porque, em princípio, a alma do autor está presente em todas as suas personagens. Mas porque o estilo narrativo adotado – é o personagem narrando sua própria vida – por vezes revela o próprio sentimento do autor: nota-se não rara a predisposição para escrever uma capitulo. Ou simplesmente não escrever. Como capítulo sem texto. Cansaço do personagem já morto ou do Autor morto de cansaço?
Como li no Prólogo que originalmente a obra foi “feita aos pedaços na Revista Brasileira”, logo concluo que foi escrita como uma novela, ou folhetim na época, capitulo a capítulo, que embora seguindo um “script”, vai se desenrolando segundo as circunstâncias do enredo... mas acho que também as do autor.
A sua grande erudição o autor a expõe sem muita modéstia.
Cita não apenas obras épicas e fatos históricos, mas personagens e autores conhecidos por poucos “agudos” – como diriam os barrocos: Shakespeare, Stendhal, Lord Byron, Erasmo de Rotterdam, Hipócrates, Vespasiano, Pascal, Voltaire, Suetonio, Cesar, Catão, Hipócrates...; Príamo, Aquiles, Macbeth, a Rainha de Navarra, O Louco de Atenas;... Ezequiel, Mateus, João Batista...; Lendas gregas, personagens míticos.
Aliás, como era seria de “bom alvitre”, como diriam. Para a leitura de hoje, há muitas palavras desconhecidas e em desuso. Mas acho que, mesmo para a época, muitas são as palavras desconhecidas pelo vulgar.
Outra curiosidade: o autor, ou o Brás, dirige seu dialogo ao “leitor” sempre no masculino, exceto num capítulo único capitulo - mais afeto às damas, quando não se dirige ao “leitor”, mas à “leitora” que o segue.
E o uso de expressões em francês e inglês, sempre entre aspas como devia ser a regra da época, podem parecer afetação de erudito. Lembrei-me que isso fora usado por Oscar Wild no Retrato... recém lido. E também há citações e certas frases que me lembraram do Lord Harry. Como Oscar Wild o Machado de Assis prega frases conceituais, de efeito, com antíteses, como exemplo: “o leitor não se refugia no livro senão para escapar à vida”. Ou ainda: “a pior fadiga é a fadiga sem cansaço”. A época era a mesma. Coincidência? Estética de época?
E também, em comum, pareceram-me as análises psicológicas dos personagens - embora Freud tivesse vindo só depois - expressas em frases como: “a (sua) rejuvenescência estava nas salas, nos cristais, nas luzes, nas sedas! Enfim, nos outros!”.
Nos dias de hoje Machado poderia ser criticado – curioso que ainda não o foi.
Apesar de afro-descendente, não há uma linha em todo o livro contra a escravidão. Não apenas na narrativa: aliás, descreve a pratica da escravidão como um comércio qualquer, conta do tratamento humilhante que dava a um escravo sem nenhum remorso, e faz descrição do castigo – de fato uma tortura sangrenta – em escravos de propriedade de “seu cunhado”, como se fosse apenas a aplicação de multa de mora a um devedor. Mas ressalva: “apenas aos mais agressivos e fujões”. Poderia se dizer que o “romance” apenas retratava o comportamento de um personagem da elite da época para o qual a escravidão era um fenômeno (aliás, não era fenômeno), era uma prática corriqueira e necessária para o bem social e econômico.
Mas, e o jornal? Não ensejaria ao autor ter alguma posição antiescravocrata? O jornal deveria ser de oposição ao governo e a tudo que o Gabinete propugnava. Ora, o Movimento pela Libertação dos escravos à época (1880) fervia, há já muito tempo. O tráfego e o comércio já haviam sido proibidos. E na linha editorial proposta pelo jornal do Brás Cubas, nem uma linha à Escravidão...
No meio do século, Augusto Comte - criador do Positivismo de grande influência em todo o pensamento da época – e muito no Brasil - lança a idéia da Religião da Humanidade.
O Quincas Borba, com suas teorias do Humanitismo, pensa até numa nova religião fundamentada nesses princípios. Então, Machado, ou melhor, Brás Cubas revela Quincas como um insano, um louco precisando de um alienista (Freud ainda nãos havia criado Psicólogos). Qualquer semelhança é mera coincidência. E se não era uma grande ironia, elogio é que não foi. Positivamente.
E para quem era um erudito, afirmar que Brás Cubas (o outro) fundara São Vicente, ignorando que São Vicente fora fundada por Martim Afonso de Souza e que Brás Cubas fundou foi a cidade de Santos, soa a imprecisão. Ou coisa de carioca. Ou ainda há controvérsias?
Não sei se lamento não ter lido o autor na juventude. Agora o admiro e com maior senso de crítica.
Talvez, adolescente, poderia tê-lo achado uma chato.
Appio
quatro primeiros
Georges Jazzar
04/05/2018 - 16:32
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História chata e
História chata e desinteressante. Técnica inovadora pra época, hoje pareceu caricata.