Água funda
Romance de estreia de Ruth Guimarães (1920-2014), uma das primeiras escritoras negras a ganhar destaque na cena literária brasileira, Água funda foi lançado em 1946 ― mesmo ano de Sagarana, de Guimarães Rosa. Mas enquanto o escritor mineiro se valia da plasticidade da fala sertaneja para inventar um léxico novo, entre o popular e o erudito, Ruth fez aqui uma original reconstituição etnográfica da linguagem caipira ― que conheceu pessoalmente em sua infância passada no Vale do Paraíba e Sul de Minas ―, aproximando-a das pesquisas de Mário de Andrade. A história entrelaça diferentes casos e personagens na região da Serra da mantiqueira, em épocas em que havia a escravidão, depois da abolição, o trabalho quase escravo e o inicio da instrialização, sem precisar datas.Com muitos ditos e expressões populares e locais , conta casos que mostram como teriam sido as relações sociais, famíliares, de trabalho, as relações com o próprio ambiente e com as superstições e mitos, que regiam a vida dos mais simples. A linha condutora é a história da fazenda Nossa Senhora do dos Olhos d´Água, a seus proprietários, de seus sucessores, de seus trabalhadores, e as transformações que ocorrem no tempo .
Comentários
APPIO
19/10/2023 - 17:00
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Água Funda
Acho que Água Funda, como muitos outros livros que contam sua época, dá um recorte preciso de um lugar, de uma sociedade, de uma cultura, que precisam ser vistos com o olhar daquele passado.
Apesar de bem próximo de nós, paulistanos, a região da Mantiqueira desse livro se apresenta muito diferente da metrópole, mesmo da metrópole que São Paulo seria na década de 40.
A autora, originária do Vale do Paraíba, com experiência de sua vida na região que começou em 1920, conta a história de vida de uma rica proprietária rural e da sua decadência social. Conta a historia não apenas desse personagem, mas de muitos outros do seu entorno, membros da família e dos habitantes daquela localidade, dependentes das fazendas como a da Nossa Senhora dos Olhos D’água, e que viviam o fim do rico ciclo açucareiro. Escrito em 1945 parece retratar bem o que teria sido nas décadas precedentes.
A narrativa não tem a linearidade do romance tradicional, mas nos oferece como que uma série de contos, unidos pelo aspecto regional.
Aliás, a autora é considerada uma das precursoras da literatura regionalista que se instalava no Brasil.
E também precursora da crítica anti-racista – não como discurso sócio-político como na atualidade, mas pela valorização dos personagens membros de comunidades menos privilegiadas, através de abordagens sensíveis, sobretudo humanas, que embutem a questão racial.
E a linguagem sem afetação, sem a criação de um falso léxico, mas que reproduz expressões comuns - próprias da língua falada de um povo simples - tornam a narrativa mais autêntica, e a complexidades psicológicas dos personagens são contadas e não teorizadas.
Essa simplicidade na verdade é a autenticidade de quem de fato se aprofundou na cultura regional, e a conhece por experiencial própria, e não teórica.
A forma narrativa, a exposição dos fatos, os casos contados, a construção dos personagens, em tudo, sente-se o que a caracteriza: a simplicidade.
A autora nos oferece a riqueza dos ditos populares.
Então, se me permitem: “a genialidade está na simplicidade”.
quatro primeiros