O Alienista
Uma das pedras de toque da ficção de Machado de Assis na história de Simão Bacamarte, que um dia sonhou catalogar a loucura humana.
Clássico da literatura brasileira, este texto de Machado de Assis continua sendo, mais de cento e trinta anos depois de sua publicação original, uma das mais devastadoras observações sobre a insanidade a que pode chegar a ciência. Tão palpitante quanto de leitura prazerosa, O alienista é uma dessas joias da ficção da literatura mundial. Médico, Simão Bacamarte passa a se interessar pela psiquiatria, iniciando um estudo sobre a loucura em Itaguaí, onde funda a Casa Verde - um típico hospício oitocentista -, arregimentando cobaias humanas para seus experimentos. O que se segue é uma história surpreendente e atual em seu debate sobre desvios e normalidade, loucura e razão. Ensaio sobre a loucura e a lucidez, sátira política e comédia de costumes.
(texto adaptado da apresentação disponível no site da editora Companhia das Letras)
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APPIO
10/05/2021 - 11:35
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O Alienista
O Alienista
de Machado de Assis
Em poucas páginas uma lição de como escrever um conto com tantas qualidades.
Uma narrativa simples, direta - como uma conversa amigável com o leitor - onde poucas vezes o narrador se dirige diretamente (ao ouvinte) leitor, antecipando o que haveria de vir ou elucidando parte da narrativa.
Embora simples, ela é rica, tanto em forma quanto em conteúdo.
Para a sociedade é uma crítica ferina. E também felina.
Em termos de conteúdo expõe uma sociedade de uma época e local hipotéticos (mas evidentemente contemporâneos com a sua época e obviamente era cidade localizável não no exterior) com um julgamento implacável. Denuncia os falsos valores, a ignorância individual e coletiva, o oportunismo, a idolatria ao pseudoconhecimento, e por aí vai, ferinamente atingindo indivíduos e coletividade, como uma fera solta que não poupa presa alguma. Entretanto, na forma o faz de maneira até delicada. Sem adjetivos ásperos ou expressões rudes, sem palavras chulas ou mesmo deselegantes, sem invasão da privacidade, com mão leve como um gato que sem dilacerar fere profundamente.
A criatividade é incontestável pela antítese da criação do “enredo” onde, ao fim, os “normais” são tratados para ficarem “anormais”, porque o anormal para a sociedade é ser normal. Ou o coerente é ser incoerente. Ou ainda a moral é ser imoral.
Embora “alienista” fosse a denominação do médico que posteriormente seria chamado de “psiquiatra”, Machado de Assis possivelmente tenha se inspirado não em Freud (tido como o pai da psiquiatria, mas só se tornou conhecido com a sua primeira publicação a partir de 1901), mas sim em Pinel, que em 1798 libertou os internados num hospital de Paris - quase 90 anos antes da publicação de “O Alienista” (1882). Dr. Pinel também classificava as doenças mentais, como o Dr. Bacamarte, e propunha tratamentos. Mas as doenças mentais do Dr. Bacamarte eram as de natureza social: moral-social.
A criatividade em construir o contrassenso como enredo me fez lembrar das peças do chamado Teatro do Absurdo, dos anos 60, (Rinocerontes, Esperando Godot, Ubu Rei) e da Literatura Fantástica de autores franceses e latinos da mesma época.
Teria O Alienista sido um precursor desses movimentos. Ou, além de precursor, o autor ter sido também um adivinho dos tempos atuais, onde os incompetentes assumem competências, e os amorais edificam a moral da nossa época.
Machado era realmente um bruxo.
quatro primeiros