O xará
Gógol Ganguli tem nome russo, sobrenome indiano e um espírito dividido entre diferentes modos de vida. É com esses elementos, transformados por uma prosa tão delicada quanto profunda, que Jhumpa Lahiri comprova em seu primeiro romance as qualidades que lhe renderam o prestigiado prêmio Pulitzer por seu livro de estreia, a coletânea de contos Intérprete de males. Uma das mais importantes vozes da literatura em língua inglesa, a autora foi convidada da Flip em 2014. O protagonista de O xará, Gógol, sente-se perdido entre duas culturas: a dos Estados Unidos, onde nasceu e vive, e a que veio da Índia e nos corações de seus pais, imigrantes em busca de oportunidades em território americano. No novo país, sua mãe logo começa “a se dar conta de que ser estrangeira é uma espécie de gravidez eterna ― uma espera perpétua, um fardo constante, um sentimento contínuo de indisposição”. Recém-chegados, ela e o marido enfrentam um primeiro e significativo obstáculo: são obrigados a registrar o filho ainda na maternidade, antes de o “nome bom” – o que deve ser usado na vida pública, por tradição escolhido pela avó materna – chegar por carta de Calcutá. É por essa razão que, além do sobrenome indiano, Gógol tem de aprender a lidar com o nome de batismo que homenageia o grande escritor russo. O romance acompanha a família Ganguli em suas constantes viagens, físicas ou espirituais, entre tradições e costumes, entre a Índia e os Estados Unidos, entre o passado e o presente. São as tentativas de lidar, da infância à maturidade, com o choque das culturas e suas consequências na vida de uma pessoa comum – na relação com os pais, na educação sentimental, na vida profissional – que dão o tom em O xará.
Comentários
APPIO
27/07/2019 - 09:49
permalink
O Xará
O XARÁ
Jhupa Lahari
Ao começar a escrever sobre este romance que tem no seu enredo o fato de uma mesma pessoa ter mais de um nome, lembrei-me de duas coisas: de alguns livros de autores russos (e todos conhecem a confusão dos vários nomes atribuídos a mesma pessoa) e ao meu Tio, que não era nem russo nem indiano. Meu Pai teve dois irmãos gêmeos, mais novos, o Oswaldo e o Arnaldo. O Arnaldo era só Arnaldo, até ser matriculado no Grupo Escolar. Porque quando emitiram o Boletim Escolar dele constava “Armando”, para surpresa de meus avós e demais familiares. Meu avô não percebeu que o tabelião lavrou no seu registro de nascimento o nome dele “Armando” e não “Arnaldo”. Dispenso comentar a bronca que minha avó deve ter dado no meu avô, (por anos?), mas o fato é que a partir do primeiro ano do grupo escolar, meu Tio passou a ter dois nomes: Arnaldo para toda a família, inclusive esposa e filhos e Armando, para todos os demais círculos – escola, trabalho, clubes, etc. E ele tinha sempre a sua tecla SAP ligada: sem ver a pessoa, se ouvia “Arnaldo!” sabia que era da família; se ouvia “Armando!” já sabia que era de outra relação. Pelo que se sabe, nunca teve traumas por isso.
Essa é a minha verdadeira, breve e prosaica história de quem também teve dois nomes.
Já o Gogol ou Nikhil não é um caso tão prosaico, tanto que me resultaram em quatro páginas de anotações de trechos, destaques, exclamações, comentários e... uma sensação de frustração. Não sei se tantos destaques, elogios, e prêmios internacionais obtidos pela autora que levaram uma expectativa incorreta, eu esperava mais. Ou realmente não consegui entender bem todas as virtudes da narrativa.
Sem dúvida, retratar a vida de pessoas de duas gerações, em países diferentes, de culturas diferentes e em épocas diferentes, exige uma maestria inigualável, uma criatividade permanente para manter a personalidade de cada personagem.
Talvez a expectativa de verem apresentados os dramas dos imigrantes e dos profundos conflitos de personalidade e de (ambas) culturas me levaram a esperar mais.
O que senti foi uma narrativa objetiva, sem emoção. Descritiva. Muito descritiva. Com detalhes das coisas físicas – objetos, coisas materiais, minuciosas, exageradamente (em minha opinião) minuciosas. O choro descrito não me transmitiu emoção. As casas não se me revelaram lares. Pareceu-me tudo de sentimental, sensorial, apaixonante ou apaixonado ter sido intencionalmente tratado com a objetividade descritiva de um relatório. Morte, acidente, traição (o que seria para mim algo dramático) são descritos como tal isenção que parece apatia.
Entretanto, fica evidente uma preocupação excessiva em dar detalhes das coisas que, para mim, pouco ou nada acrescentavam , gerando páginas e páginas: das longas listas de objetos, aos detalhes infindáveis, de cada roupa, de cada espaço, de cada objeto; das descrições intermináveis... dos tons de cabelos de umas, aos tons da madeira do assoalho... O que influenciou a variação do tom da cor dos óculos de uma personagem? E qual a importância do estado das cutículas das unhas dos dedos da mão de alguém? Eu exagero na crítica? Talvez. Mas uma boa história, bons personagens, bons contextos, poderiam cativar e emocionar mais sem tantos detalhes descritivos e mais tensão talvez não me parecesse tão cansativa de ler a ponto de muitas vezes ficar desinteressante. Mas de meu vontade de ler...O Capote!
quatro primeiros