Vida e proezas de Aléxis Zorbás
Aléxis Zorbás é uma das personagens mais marcantes que a literatura já produziu. Tão forte sua presença que, para o grande público, Zorbás supera seu autor, Nikos Kazantzákis, o mais importante autor grego do sec. XX. Contribuiu para o mitificação da personagem a transposição para o cinema de Vida e Proezas de Aléxis Zorbás, com o nome de Zorba, o Grego (1964). Das raras obras em que o cinema se iguala à literatura, seu sucesso fez com que o livro fosse relançado mundo afora com o título do filme. Kazantzákis, morto em 1957, não chegou a ver a dimensão que seu Zorbás atingiria. A história é narrada por um intelectual grego que, depois de ser chamado de roedor de papéis pelo grande amigo Stavridákis, decide lançar-se em uma empreitada arrojada: explorar uma mina de linhito em Creta. Num bar do porto, pouco antes de embarcar, conhece Aléxis Zorbás, a quem contrata para chefiar os trabalhos. Ao chegar à ilha, instalam-se temporariamente na casa de Madame Hortense, uma velha atriz do amor francesa que vive de seu passado e que logo cede aos encantos do empregado-chefe. De dia, enquanto Zorbás comanda os operários na mina, o narrador se enfurna em sua jornada interna banhada pelo mar Líbio e materializada no manuscrito que escreve. À noite, enquanto come a sopa preparada por Zorbás, ele fica a escutar suas histórias, ouvindo-o tocar seu santir, vendo-o dançar.
Comentários
APPIO
12/10/2022 - 16:46
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Zorba, o grego
Vida e Proezas de Aléxis Zorbás
De Níkos Kazantzákis
Foi difícil ler este livro sem lembrar-me de cenas do filme, da música e do Anthony Quinn como Zorba, embora faça quase sessenta anos que o vi, e não o vi mais.
Não me lembrava de detalhes do filme, mas ao ler o livro, imagens foram sendo revividas (só não sei se reais no filme ou imaginarias). Como sempre, em relação ao filme o livro é mais denso, mais profundo, e as reflexões do “autor-personagem” são presentes em todas as páginas.
Parece que a “filosofia” - pelo menos como arte de pensar e da reflexão - continua presente nos gregos, pelo menos nesta história: um intelectual, escritor, em busca de sua verdade, do sentido da vida e dos valores humanos, procura a sua própria identidade na experiência do viver.
O “personagem – narrador” é, sem dúvida, o próprio autor, cuja biografia (intelectual, formado em filosofia e direito, e etc.) confirma.
A narrativa dos acontecimentos da história é sempre acompanhada por reflexões, contrapondo ou complementando o fato narrado, buscando interpretações e significados e, sobretudo questionamentos, próprios da postura filosófica (principalmente da escola filosófica seguida pelo autor).
Entretanto, isso não torna o livro “chato”. Pelo contrário. As constantes reflexões não são desconectadas dos fatos. Não são gratuitas. Antes, dão outra dimensão aos próprios fatos. Não interferem nem comprometem a narrativa dos acontecimentos na sua linha de tempo.
Há um embate constante entre conceitos ou idéias que se antagonizam, numa busca permanente de compreensão ou interpretação (típica dos filósofos), mas isso também não diminui o interesse na leitura. Pois os personagens - o intelectual escritor e o rude Zorba - são antagônicos, mas se admiram e se compreendem, porque se completam.
A destreza do autor transforma esse antagonismo nas contraposições que explicam o mundo de formas diferentes e os fatos serem visto por outros ângulos.
A lógica racional (do escritor) e as puras emoções do homem comum (Zorba) se enfrentam o tempo todo, e o vencedor é o leitor, que encontra na prosa fluida a poética da sensibilidade: percepção da beleza da natureza, ânsia de cada um de viver, ternura despertada, sensação da plenitude, na extemporaneidade dos acontecimentos, na grandeza de pequenas coisas ...
Até mesmo a temática política é abordada, porém não acentua atrocidades a que os gregos foram submetidos (invasão pelo Império Otomano, pelas perseguições dos emigrados na URSS, pela revolução...), apenas justifica o nacionalismo implícito.
E os outros personagens da história? Todos são, ao mesmo tempo, tipos comuns, simplórios, mas que deixam mensagens, até mesmo um monge lelé da cuca, outros gays (e um assassino?), outro enlouquecido pela teologia, o avô que não saia do lugar, mas ouvia historias dos viajantes, a avó velhinha octogenária aguardando a serenata, os freqüentadores dos bares, o amigo oculto (real) mas que não aparece, o maluco da aldeia, o menino descalço e a bota, as mulheres...bem, as mulheres...
E mesmo personagens patéticas inspiram sentimentos, como a velha “Bubalina”, que pode ser ao mesmo tempo ridícula e ao mesmo tempo adorável, que pode despertar desprezo, mas que desperta pena e afeto, inda mais pelas circunstâncias e a fraude do casamento. Lindo!
E tudo isso, ao contar uma historia, onde se nada acontece, mas nos dá a sensação de estar sempre acontecendo.
Claro, há colocações que pelo politicamente correto atual que seriam execráveis, como as opiniões a respeito das mulheres. Ah! ... as mulheres...Mas retratam uma época, uma cultura, e um personagem.
E com relação a religiosidade dos principais personagens? Zorba zombava dos religiosos, parecia ter abandonado a religião. Mas a religião parece que não o abandonou. A religião está presente em várias situações: frases, ritos, imprecauções, revelando a profunda relação com o povo.
E o escritor? É crente? Ateu?Agnóstico? Nem sim, nem não, muito pelo contrário.
Este livro nos dá o prazer de leitura, dá distração, proporciona ensinamentos e... faz pensar.
Este é um livro que me arrependi de não ter lido antes.
quatro primeiros