A viagem do elefante
Não é todo dia que aparece um elefante em nossa vida, muito menos chamado Salomão. Pois é este formoso e meigo paquiderme, nascido em Goa, transportado pelos mares a Portugal no século XVI, o herói da viagem que aqui se conta.
"Por muito incongruente que possa parecer...", assim começa o novo romance - ou conto, como ele prefere chamá-lo - de José Saramago, sobre a insólita viagem de um elefante chamado Salomão, que no século XVI cruzou metade da Europa, de Lisboa a Viena, por extravagâncias de um rei e um arquiduque. O episódio é verdadeiro. Dom João III, rei de Portugal e Algarves, casado com dona Catarina d'Áustria, resolveu numa bela noite de 1551 oferecer ao arquiduque austríaco Maximiliano II, genro do imperador Carlos Quinto, nada menos que um elefante.
O animal viera de Goa junto com seu tratador, algum tempo antes. De início, o exotismo de um paquiderme de três metros de altura e pesando quatro toneladas, bebendo diariamente duzentos litros de água e outros tantos quilos de forragem, deslumbrara os portugueses, mas agora Salomão não passava de um elefante fedorento e sujo, mantido num cercado nos arredores de Lisboa. Até que surge a idéia mirabolante de presenteá-lo ao arquiduque, então regente da Espanha e morando no palácio do sogro em Valladolid.
Esse fato histórico é o ponto de partida para José Saramago criar, com sua prodigiosa imaginação, uma ficção em que se encontram pelos caminhos da Europa personagens reais de sangue azul, chefes de exército que quase chegam às vias de fato, padres que querem exorcizar Salomão ou lhe pedir um milagre. Depois de percorrer Portugal, Espanha e Itália, a caravana chega aos estreitos desfiladeiros dos Alpes, que Salomão enfrenta impávido.
A viagem do elefante, primeiro livro de José Saramago depois do relato autobiográfico Pequenas memórias (2006), é uma idéia que ele elaborava há mais de dez anos, desde que, numa viagem a Salzburgo, na Áustria, entrou por acaso num restaurante chamado O Elefante. Com sua finíssima ironia e muito humor, sua prosa que destila poesia, Saramago reconstrói essa epopéia de fundo histórico e dela se vale para fazer considerações sobre a natureza humana e, também, elefantina. Impelido a cruzar meia Europa por conta dos caprichos de um rei e de um arquiduque, Salomão não decepcionou as cabeças coroadas. Prova de que, remata o autor, sempre se chega aonde se tem de chegar.
Comentários
APPIO
08/09/2020 - 16:22
permalink
A viagem do elefante
A viagem do elefante
De José Saramago
A sensação que me deu ao ler a viagem do elefante não era a de que eu estava lendo um romance, mas sim que estava ouvindo um contador de histórias, não um contador qualquer mas um excepcional contador de histórias que não permite que nem por um segundo consigamos ficar desatentos da sua narrativa que é contínua ininterrupta e ágil como deve ser a mente deste patrício contemporâneo de camões que ao contar uma prosaica historia sabe-se lá se verdadeira ou inventada pouco importa porque não se propõe o contador a ser um historiador mas um contador de histórias tanto as que se passam nos dias de hoje, como em tempos ou lugares inexistentes ou ainda como esta no século dezasseis, mais precisamente no ano de 1521 e no reino unido de portugal e algarve quando seu rei um tal de dom joão terceiro resolve dar de presente para seu primo o poderoso arquiduque maximiliano da áustria, genro do mais poderoso ainda imperador carlos quinto um singelo presente para tanto desfazendo-se de uma de suas posses que estava largada na localidade de belém, qual seja o elefante que viera lá de uma das províncias do seu império a tão distante índia. A narrativa e talvez a palavra narrativa neste caso tenha sido bem empregada faz de quem a ouve um viajante não apenas como acompanhante da caravana que leva o elefante pelos caminhos desde a sede do monarca português até a cidade de viena mas um acompanhante privilegiado porque não apenas participa de todo o ocorrido ou por ocorrer e pelo que não ocorreria, como também pelos caminhos do tempo, pois esse narrador vai fincando seu ouvinte nos caminhos por que passa o elefante e ao mesmo tempo o traz de volta aos dias em que está a ouvir a historia, pelos comentários na linguagem atual e por fatos contemporâneos ao ouvinte, quer por uma reflexão quer por uma exclamação ou ainda uma peroração, seja para expor a ignorância da sua terra daquele tempo ou ironicamente do seu próprio tempo ou a inocência e simplicidade do seu povo, ou ainda a presente importância e falsidade da religião da que ele contador é um critico mordaz não sem razão como demonstra ao relatar fatos e comentários sobre a fé. Claro que não devendo haver uma história sem personagens esse contador nos dá conta com maestria tanto as reais se assim podemos dizer daquelas que documentadamente existiram como daquelas que ele criou e portanto não existiram, mas se não tivessem existido não haveria tão boa historia a contar, sejam os monarcas, os seus auxiliares, seus oficiais, seus aldeões, seus curas, frades, mas sobretudo dois personagens dão vida à narrativa que são o Fritz ou Subhro o conacra e Solimão ou Salomão ou Solimões o elefante e por menos palavras que tenha dito o elefante é o personagem principal pois é em torno e às vezes em cima dele que as coisas ou pensamentos ou idéias surgem para sustentar uma historia que na boca de qualquer outro contador certamente não teria a riqueza criativa de usar as palavras com tanta riqueza até mesmo ao confessar que ele não fazia jogo de palavras mas as palavras é que jogavam consigo como se as palavras o dominassem e brotassem como numa fonte permanente ou melhor feito um gêiser que sem interromper suas borbulhas de tempos em tempos lança um jato que faz o leitor ou melhor o ouvinte a se re-entusiasmar pela historia em que os finalmente parece que não são tão importantes como os entretanto pois é desses que se nutre esse argumentador que faz com que fatos prosaicos se transformem em heróicos e heróis não são mais que prosaicos e seja ainda para mostrar como eram as pessoas, as idéias e as coisas d antanho, mas quase sempre para interpor uma sutil ou irônica crítica, seja para desmistificar os intelectuais ao dizer que uma coisa boa que tem a ignorância é nos defender dos falsos saberes, seja dignificar a sua ferramenta de trabalho ao dizer que as palavras são como gente que andam a bater nas portas até que as deixem entrar, ou para redefinir o cão como uma bussola de quatro patas, ou as não menos épicas ao dizer que Portugal deu novos mundos ao mundo e claro, inserir expressões atuais a nós ouvintes sejam chiste jargões ou gírias contemporâneas ou modismos levando-nos mais ouvir a narrativa do que lê-la fazendo até parece que o narrador dessa radio-novela, deixa de lado o microfone para dizer algo em off mas para que todos escutem, simples ou complexo profundo ou superficial antigo moderno ou contemporâneo histórico ou ficcional cada um que o ouça ou leia o sentirá da sua forma de ver ler ou ouvir mas que o esse português com sotaque arrastado é genial isto é verdade e enfim um ponto final!
quatro primeiros