O sol é para todos
Um livro emblemático sobre racismo e injustiça: a história de um advogado que defende um homem negro acusado de estuprar uma mulher branca nos Estados Unidos dos anos 1930 e enfrenta represálias da comunidade racista. O livro é narrado pela sensível Scout, filha do advogado. Uma história atemporal sobre tolerância, perda da inocência e conceito de justiça.
O sol é para todos, com seu texto “forte, melodramático, sutil, cômico” (The New Yorker) se tornou um clássico para todas as idades e gerações.
Trecho:
"Quando tinha quase treze anos, meu irmão Jem sofreu uma grave fratura no cotovelo. Depois que o cotovelo ficou bom, e Jem perdeu o medo de não mais poder jogar futebol, ele passou a dar menos importância ao que aconteceu. O braço esquerdo ficou um pouco mais curto do que o direito; quando ele ficava de pé ou andava, o dorso da mão ficava perpendicular ao corpo e o polegar paralelo à coxa. Ele não ligava, desde que pudesse continuar dando chutes e passes.
Quando tantos anos se passaram, que podíamos olhar para trás e lembrar deles, às vezes comentávamos os fatos que levaram ao acidente. Continuo achando que tudo começou com os Ewell, mas Jem, que era quatro anos mais velho do que eu, dizia que as coisas começaram bem antes. Ele dizia que começaram no verão em que conhecemos Dill e ele nos deu a ideia de fazer Boo Radley sair de casa."
Comentários
APPIO
13/08/2018 - 16:33
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Comentário sobre O SOL É PARA TODOS
O SOL É PARA TODOS - Harper Lee
Mais uma boa escolha do grupo. Um romance com todos os bons ingredientes que nos levam a ler sem querer parar, apesar da descrição detalhada de situações e acontecimentos banais, corriqueiros, do dia a dia de crianças comuns de uma família comum.
Mas essa narrativa de simples fatos do cotidiano vai formando os fragmentos que compõem o quadro do que teria sido a vida numa minúscula cidade do interior do Estado sulista do Alabama na década de 30.
Desde o fim da Guerra Civil, Leis e Emenda à Constituição foram promulgadas para garantir a igualdade de direitos. Entretanto, em nome do direito dos Estados decidirem suas políticas, e apesar dessas Leis Federais, Estados do Sul – e principalmente o Alabama - mantiveram legislações antirracistas, protegendo e institucionalizando o racismo e a segregação racial.
Quando Harper Lee escreveu este romance – presumo nos fins dos anos 50 – estava sob o impacto da explosão do movimento pelos direitos civis para os negros, deflagrado com o famoso caso da mulher negra que se recusou a dar seu lugar para que um branco se sentasse. E sob as suas próprias lembranças, já que nasceu em 1926, no Alabama, portanto ela teria a mesma idade da personagem central (que teria nascido em 1926). A personagem narra a estória. Mas a personagem que narra é a própria autora.
Se somente em fins dos anos 50 e foi proibida a discriminação nas escolas, e a igualdade de direitos civis e igualdade de direito do voto só ocorreram na segunda metade dos anos 60, imagine-se o que seria o Alabama, nos anos 30, quando os fatos narrados ocorrem.
Com a descrição - até singela –do cotidiano das pessoas e famílias da hipotética cidadezinha de Maycomb, já pobre e ainda na época da grande depressão, vai se revelando uma sociedade fechada, ultraconservadora, preconceituosa, segregacionista, que segregava não somente os pretos, mas também os mais pobres, e aqueles que não se comportavam dentro desses valores, como o Atticus, viúvo, pai das crianças, que resolve - como advogado dativo - defender um negro injustamente acusado. Mas defender pra valer, colocando os seus princípios acima e contra os valores daquela sociedade. É onde se revela o contraditório para toda aquele racismo. Mas se o racismo é violento, o pensamento de Atticus não. Ele é pacifista.
Eu esperava tensão já nas primeiras páginas, em razão do tema, mas a narrativa só adquire tensão após umas duzentas páginas. Quando do julgamento e, no final, o corrido no Dia das Bruxas.
Mas fui conquistado pela narrativa leve – mesmo que sobre assuntos graves. As tiradas das crianças, principalmente da Scout, as descrições dos tipos, o ridículo das senhoras, a crítica ao racismo nazista (... mas os judeus são brancos...), o discurso do pensamento reacionário, as máximas que se perpetuavam as contradições expostas, a descrição física da Sra Dubose... como “a boca parecia ter vida própria, abria e fechava como um marisco na maré baixa”. De vez em quando, a boca fazia puf como um líquido viscoso fervendo. (hilário).
As convicções políticas e/ou filosóficas (seriam as da autora) são colocadas com naturalidade no contexto dos acontecimentos, mais expressas nos diálogos do que em reflexões subjetivas, o que contribui para a leveza do texto.
Como um bom chato, estranhei que araucária dava em moita. E às vezes soava estranha a Scout, uma menininha, às vezes pensar e/ou falar como uma adulta. Mas, afinal, a menina narradora... é a autora escrevendo.
quatro primeiros