Sobre os ossos dos mortos
Uma fábula filosófica sobre vida e morte (The New York Times)
Uma escritora magnífica. (Svetlana Alexievich)
Um dos livros mais engraçados do ano (The Economist)
Em uma remota região da Polônia, uma professora de inglês aposentada costuma se dedicar ao estudo da astrologia, à poesia de William Blake, à manutenção de casas para alugar e a sabotar armadilhas para impedir a caça de animais silvestres. Sua excentricidade é amplificada por sua preferência pela companhia dos animais aos humanos e pela crença na sabedoria advinda do estudo dos astros.
Subversivo, macabro e discutindo temas como mundo natural e civilização, este livro parte de uma história de crime e investigação convencional para se converter numa espécie de suspense existencial. Olga Tokarczuk oferece um romance instigante sobre temas como loucura, injustiça e direitos dos animais.
Comentários
APPIO
12/02/2020 - 09:54
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Lavar os pés caso a ambulância precise vir me buscar
Nada sabia sobre o livro exceto que a autora recebera o Premio Nobel de Literatura deste ano (2019)
Não prestei atenção na ilustração da capa (só depois de lido é que me ative nas figuras e li a contra capa). Mergulhei virgem na leitura, pois penso essa condição evita pré conceitos.
A primeira frase já me fez as pupilas se ampliarem: “lavar os pés caso a ambulância precise vir me buscar”. Um humor refinado? Um pequeno flash crítico do comportamento de parte da população? Lavar “só os pés”? O que viria pela frente? Do que trataria esse romance?
Logo percebi o estilo descritivo, direto, mas também reflexivo. Simultaneamente a um relato realista, a autora transmitia o subjetivo da personagem, ao relatar suas sensações, emoções, reflexões, e através delas era possível compor a personalidade dessa senhora, de idade incerta, saúde duvidosa, doenças indefiníveis, cultura evidente, passado obscuro, manias presentes.
Qual seria o propósito da autora? Reflexões filosóficas sobre a morte? “... repentinamente me dei conta dos benefícios da morte e de como ela era justa, à semelhança de um desinfetante ou de um aspirador.” Ufa! “... ele era um saqueador da floresta”, ah, seria um romance de denúncia preservacionista – afinal está na moda. Ou uma crítica à situação das ex-socialistas repúblicas da Europa – ainda em processo de adaptação (“... na República Tcheca...” parecia tudo melhor). Ou ainda se tratava da reafirmação da auto-suficiência feminista “... muitos homens desenvolvem autismo de testosterona...”. Poderia ser uma analise sobre a condição das idosas solitárias não muito saudáveis? (personagem assim parecia). Uma busca de interpretação literária ou relações inter-geracionais? Ou um romance de forças do além, onde espíritos de mortos se interrelacionariam com ... astrologia – os fantasmas (a mãe..., as meninas...) e “os ossos dos mortos” do título autorizavam essa possibilidade.
Locais poderiam sugerir algo? – algo sobre vampiros contemporâneos? Na Transilvânia (sic) “... numa curva da estrada que Disio chama de Curva do Coração de Boi... porque viu caixa de vísceras cair de caminhões... e corações se espalharem pela estrada”. Ou ainda “Kudow e Lenwin, Nowa Ruda, Klodzko e Zabkowicw (*) que antes da guerra eram chamadas de Frankestein!!!
Ora, que importam as minhas expectativas! O que importa é que a narrativa prende a atenção pela maneira como entremeia o realismo descritivo dos ambientes e acontecimentos com as elucubrações filosóficas, literárias e astrológicas, sempre deixando no ar algo inconspícuo. (Lembrei-me da Renée, a concièrge de A elegância do ouriço, não porque também era zeladora de algumas casas, mas porque simplória, mas sábia).
Certas coisas tornam a personagem simpática, como a forma pela qual descreve as pessoas e a sua mania de rebatizar essas pessoas, passando a tratá-las pelos seus novos nomes (e, curiosamente, não soam como vulgares apelidos).
E que dizer de suas considerações sobre os nomes como o Swierszczynski (!); ou ainda pensamentos deixados em frases pontuais, como “pessoas... que dominam a escrita são perigosas”...”; “ ... assim, retira da realidade a sua qualidade mais importante – sua inexpressividade.”;” a realidade envelheceu, e ficou senil...”;
Preso à personagem e as suas narrativas, me desprendi de querer saber qual a categoria do romance – ora, que importância isso faria se a leitura era agradável – e quando aparecem os aspectos policiais, me pareceram ser marginais - apenas elementos ocasionais. Enganei-me. Ou me enganaram.
Qual bolinha de fliperama em câmera lenta, a narrativa vai nos levando pra lá e pra cá, ora trivial como sorver uma sopa, ora profunda como as questões sobre Deus, amplas como o paisagem de neves, ou microscópicas ao ver os insetos. Ou brotos de urtiga.
Mas encontrei também um pouco de poesia: “... os indícios da primavera ainda não tinha chegado à cidade. Ela deve ter se acomodado nos arredores, nas hortas das chácaras, nos vales dos riachos...”; “... Imersa em silenciam floresta tornava-se um enorme e aconchegante abismo no qual podia me esconder”...
De tão eclética, até o nosso chupa-cabra aparece.
Bem, ao final, o livro... não vou comentar mais. Afinal, quem o leu sabe como termina. E para quem não o leu seria como comentar o fim do filme junto às pessoas na fila de entrada. Leiam e aproveitem a próxima sessão. É um Prêmio Nobel.
(*) conferi: todas as localidades, elas existem e pelas fotos são como os cenários descritos.
Na antiga Seleções do Reader´s Digest tinha uma seção: “enriqueça seu vocabulário”. Enriqueci o meu:
Samarra= casacão antigo, alguns de pele de ovelha coma lã.
Grevas = caneleira das armaduras
Cantarela= Espécie de cogumelo comestível
Pousio = repouso do terreno para próximo plantio
Serapilheeira= cesto feito de junco
Cambozola, piceas, tenebrismo = ???Significado não encontrado em nenhum dicionário consultado
Melolonta = tipo de besouro
Durião = fruto de árvore originária do sudeste da Ásia.
Ramequim = recipiente de cerâmica para cozer alimentos no forno.
Aedônio = tipo de pata de animal com um dátilo (tipo de dedo) e um espondeu (tipo de pata fendida)
quatro primeiros