Noites das mil e uma noites
Dezessete contos interligados, em que o grande escritor egípcio recria o mundo de Sherazade num fascinante mosaico de dramas e dilemas com que os personagens de As mil e uma noites jamais sonharam.
Inspirado no clássico As mil e uma noites, o escritor egípcio Naguib Mahfouz utiliza os personagens e a atmosfera mágica da obra-prima da literatura árabe para criar uma fábula moderna.
A ação se desenrola na Idade Média, numa cidade islâmica indeterminada. Mas o leitor ocidental de hoje terá a surpresa de deparar com elementos de seu cotidiano: uma sociedade infestada pela corrupção e pela inquietação social, com um chefe de polícia febrilmente ativo diante das ações clandestinas de seitas religiosas decididas a derrubar o regime. Ao mesmo tempo, tal como em As mil e uma noites, gênios ainda saem de garrafas abertas por indivíduos ingênuos e transformam suas vidas de muitas maneiras, inclusive para pior.
Neste livro, o talentoso contador de histórias Mahfouz faz uma crítica convincente da sociedade em que viveu – as seitas religiosas que descreve lembram os atuais movimentos fundamentalistas islâmicos –, além de oferecer ao leitor um romance tão encantador e multicolorido quanto a obra que o inspirou.
Comentários
APPIO
09/06/2021 - 14:55
permalink
Noites das mil e uma noites De Naguib Mahfouz
Noites das mil e uma noites
De Naguib Mahfouz
Estranho, tudo muito estranho. Não cheguei a uma conclusão sobre este livro. De princípio me pareceu um livro de contos infanto-juvenil. Como, aliás, o original parecia ser. Os pequenos contos contam estórias ocorridas em um passado e em uma cidade ambos indefinidos. Segundo a contracapa, o tempo era a Idade Média e o local uma cidade muçulmana, o que não quer dizer, obrigatoriamente, árabe. A primeira curiosidade despertada foi a linguagem dos personagens. Certamente o autor pesquisou para assim reproduzi-las e, provavelmente, se remete à língua coloquial e cultura árabes: impressiona a presença constante da religião em todas as expressões.
Já a fantasia não surpreende porque do pouco que sabemos sobre a obra original (aliás, ela deveria, mas não está no compêndio “As obras-primas que poucos leram” – quem já a leu?) ela é uma seqüência de estórias fantásticas. Porém, nestas “Noites das mil e uma noites” nem tudo ocorre à noite. Aliás, a coerência não é o forte desde a sua difusa origem: na origem o Sultão não era sultão, mas Xá, a língua não era o árabe, mas parse, sua divulgação e fama não parte dos árabes, mas parte de uma compilação de um francês, e os contos – um contado por noite – não daria para mil e uma, pois não chegam a 300. Mas quem está querendo coerência na fantasia?
Há uma comum: a narrativa é a narrativa da ardileza, dos estratagemas, dos enganos, das trapaças e trapaceiros. A esperteza impera, ou tenta imperar. A sutileza, nem sempre sutil, torna os espertos ou poderosos em inocentes infantis. E os puros em malfeitores. O caráter de muitos dos personagens muda aos extremos. Seria a afirmação da dualidade do ser humano? Curioso: a religiosidade e a moralidade caminham ao lado de uma crueldade e a uma aceitação servil ímpares. Reflexo ou crítica a cultura de uma época? Matar todas as moças possuídas, cortar a cabeça de inocentes, executar os adversários, liquidar com os crentes de outra facção religiosa parece que tudo isso é feito sem o ardor do ódio ou da vingança. O adversário é o inimigo. E inimigo elimina-se. Simples assim. Principalmente para quem tem o poder. Ao mesmo tempo, há uma permanente atitude de amor e compaixão. E sonhos, muitos sonhos.
À medida que fui lendo foi me passando a sensação de uma intenção em transmitir um sentido ou ensinamento ético, como uma “moral da estória” das fábulas ocidentais.
Embora a narrativa seja colocada num mesmo local (bairro) e época, a quantidade de personagens confunde e seus nomes confusos (para nó, e o que ajuda a identificação é a adição de epítetos: “chefe da guarda, “o louco”, “o milionário com cara de macaco”, “o corcunda”... (talvez um hábito da cultura?).
No terreno da fantasia tinham de aparecer os gênios que enriquecem as narrativas e justificam o maravilhoso: os “bonzinhos”, que buscam certa justiça - Sanjam e Kamkam - e os do mal que buscam o mal - Sakharbut e Zamabaha – casal que, apesar de maus, são pilantras gozadores (e até mais divertidos). Só que mesmo os bonzinhos, que buscam punir a corrupção das autoridades provocam assassinatos como justiça. Cheguei a pensar: se Sanjam e Kamkam resolvessem atuar aqui neste Brasil, ia haver muito corre-corre. E por falar em atualidade, pareceu-me certa premonição esta frase: “Sua majestade ordenou que todos vagabundos sejam detidos para escolher entre eles os que irão preencher os diversos postos (do governo). E o julgamento “faz de conta”? Seria um Al Lav Al Jahtho? E seria condenado um berbere mouro? E a CPI, ou melhor, interrogatória da Anis que justifica que os homens iam à sua casa para... “ discutir Direito Canônico e Literatura”?
Quanto às mulheres, não são valorizadas segundo os padrões do politicamente correto atual. Seus atributos são a beleza física e poder de sedução e ligadas ao sexo: sejam cortesãs, virgens ou nubentes. A submissão das mulheres é total, e seu papel é servir ao homem, embora alguns destes fossem subjugados pateticamente (“jogar-se aos pés”), mas provocam ruínas financeiras e assassinatos. Mas é tudo fantasia. Entretanto, dentro de toda a fantasia, principalmente nas partes finais do livro, os contos parecem querer transmitir valores morais, alguns princípios éticos e/ou religiosos, como as narrativas de Simdbad concluídas com aforismos pelo sultão.
Afinal, lá como cá, enfim as virtudes parecem ser valorizadas e vícios punidos.
Ou isso também é fantasia?
quatro primeiros
Chris Boulos
18/06/2021 - 16:37
permalink
Para conhecer "As mil e uma noites"
Pela íntima relação da obra de Naguib Mahfouz com o clássico As mil e uma noites, muito comentado e pouco conhecido, mas sobretudo pela relevância das narrativas de Sherazade para a cultura árabe e mundial, vale muito assistir à aula proferida a seu respeito por Prof. Mamede Jarouche, no curso "As Contribuições da Civilização Árabe-Islâmica para a Humanidade", promovido e disponibilizado gratuitamente pelo Instituto de Cultura Árabe. Segue o link para a aula, uma imersão esclarecedora nesse universo fascinante: https://www.youtube.com/watch?v=S7AmxKbbokU&t=3252s